Ferreira, José Manuel de Medeiros
[Funchal, 20.2.1942 – Lisboa, 18.3.2014]
Seus pais, açorianos, fizeram questão em registar o seu nascimento na Conservatória de Ponta Delgada. Político e professor universitário, Medeiros Ferreira desempenhou, após a Revolução de 25 de Abril, os cargos de Ministro dos Negócios Estrangeiros (1976-1977), deputado à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República (em várias legislaturas) e ao Parlamento Europeu.
Governante em época fundadora da democracia portuguesa, foi responsável governamental pela preparação diplomática do pedido de adesão de Portugal à C.E.E (Março de 1977), sendo Mário Soares primeiro-ministro. Assinou igualmente a entrada da República Portuguesa no Conselho da Europa, em 1976. Demasiado autónomo para se conformar a disciplinas partidárias, abandonou o PS em Setembro de 1978, partido a que regressaria nos anos 90, sob a liderança de Jorge Sampaio. Pelo meio ficaram duas tentativas de organizar movimentos ou partidos-charneira: o grupo reunido em volta do Manifesto Reformador (liderado por Medeiros Ferreira e António Barreto) e o PRD (liderado por Ramalho Eanes). A meados dos anos 90, após ter voltado ao PS, assumiu a condição de deputado à Assembleia da República pelo círculo dos Açores, numa espécie de regresso às origens assinalado pela sua influente participação na lei de finanças das regiões autónomas (1998), em duas revisões constitucionais (1997 e 2004), em matéria relativa aos Açores e à Madeira (cf. Com os Açores no dobrar do século, 1999).
O percurso político de José Medeiros Ferreira iniciou-se, como dirigente associativo, nas lutas estudantis contra a ditadura salazarista (1961-1965), à semelhança de figuras como Jorge Sampaio, Eurico de Figueiredo, Manuel de Lucena, Vítor Wengorovius, Mário Sottomayor Cardia e tantos outros, tendo sido expulso de todas as Universidades do País, pelo período de três anos, devido à sua actividade contra o regime ditatorial (1965). «A crise estudantil marcou-me decisivamente» afirmou, num depoimento autobiográfico. «Toda a educação para a responsabilidade recebida em casa tomou um sentido colectivo e cívico».
Foi candidato a deputado nas listas da Oposição Democrática em 1965, em defesa da autodeterminação das colónias, do fim da guerra em África e da defesa das liberdades públicas e dos direitos humanos. Quando desempenhava o cargo de secretário-geral da Reunião Inter Associações (RIA), organismo coordenador do movimento estudantil, foi detido, sem culpa formada, pela polícia política (1962). Cumpriu três meses de prisão no Aljube, tendo sido submetido à tortura do sono e ao isolamento celular. Os seus companheiros de prisão foram, entre outros, o pintor Nikias Spakinakis e o nacionalista angolano, Joaquim Pinto de Andrade. Em comunicação apresentada ao III Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, em 1973, apontava como metas a democratização, a descolonização e o desenvolvimento que vieram a transformar-se nos grandes tópicos do Movimento das Forças Armadas (1974).
Viveu na Suíça (1968-1974), onde lhe foi reconhecido pelo Estado helvético o estatuto de exilado político. No plano político integrava o chamado «grupo de Genebra», com Eurico de Figueiredo, António Barreto, Carlos Almeida, Ana Benavente e Manuel Areias. Este grupo de universitários editou a revista Polémica que circulava clandestinamente em Portugal e nos meios da emigração política de Paris, Londres, Bruxelas, Argel e de outras cidades de exílio. Em Genebra casou com a sua companheira de geração universitária e de luta democrática, Maria Emília Brederode Santos. Pouco antes do 25 de Abril de 1974, que permitiria o seu regresso a Portugal, nasceu, ainda na Suíça, o seu filho Miguel.
Medeiros Ferreira efectuou os estudos secundários em Ponta Delgada, onde o seu exemplo de «desobediência cívica» deixou marca, ajudando «a abrir horizontes, culturais e políticos a muitos estudantes do Liceu Antero de Quental» (Eduardo Paz Ferreira). Licenciou-se em Ciências Sociais pela Universidade de Genebra (1972), onde foi assistente na Faculdade de Ciências Económicas e Sociais (1972-1974). Doutorou-se em História pela Universidade Nova de Lisboa (1991). Enquanto historiador, dedicou-se sobretudo à época contemporânea e especializou-se, simultaneamente, nas problemáticas da política internacional. É autor, entre outras obras, de Ensaio Histórico sobre a Revolução de 25 de Abril ? o Período Pré-Constitucional (1983); Portugal na Conferência de Paz (1992); O Comportamento Político dos Militares, Forças Armadas e Regimes Políticos (Lisboa, 1992); Portugal em transe (Vol. VIII da História de Portugal, orientada por José Mattoso, 1995) e Cinco Regimes na Política Internacional (2006). Medeiros Ferreira distinguiu-se ainda como ensaísta, comentarista e cronista político, com vasta colaboração dispersa em jornais (desde o República ao Diário de Notícias e do Expresso ao Correio da Manhã) e revistas como a Seara Nova e O Tempo e o Modo (antes do 25 de Abril), Nação e Defesa, Finisterra, Política Internacional e Ler História.
Condecorado pelo Estado Português com a Grão-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique e da Ordem da Liberdade, costuma dizer que a distinção a que confere maior apreço sentimental lhe foi atribuída pelos seus colegas da Faculdade de Letras de Lisboa, ao aprovarem um «voto de louvor, agradecimento e confiança», quando, em plena luta académica, foi atingido pela repressão do Governo de Salazar.
Mário Mesquita